11 de fev. de 2014

KODAK: uma história de derrocada ou de longevidade?

Por: Eliana Rezende

Era 19 de Janeiro de 2012.
A então centenária companhia fotográfica Eastman Kodak, de 135 anos de existência, por meio de um comunicado oficial anunciava:
"A companhia e suas subsidiárias nos EUA entram com pedido voluntário de 'proteção' ao Capítulo 11 da Lei de Falências dos Estados Unidos".
Pioneira dos processos fotográficos a Kodak que tinha sede em Rochester (Nova York) entrava com pedido de concordata.

“Você aperta o botão e nós fazemos o resto.” Esse era o slogan daquela que foi a mais importante fábrica de câmeras e filmes do mundo até seu pedido de concordata.
A Kodak, criada por George Eastman em 1888, foi a primeira a apostar na popularização da fotografia por meio de um modelo de câmara portátil. 


Diante de tal acontecimento, a pergunta por todo o mundo e em todos os meios empresariais era:
Faltou à KODAK visão de futuro?

A pergunta era e é tão instigadora!
Explico: 
Como uma historiadora, especialista em preservação e conservação de fotografias do século XIX  e XX, não podia deixar de pensar em como uma empresa com uma longevidade imensa podia ser acusada de falta de visão de futuro.

Não poderia pensar em falta de visão para uma empresa que por mais de 100 anos mudou completamente a forma de registrar as imagens do mundo.
Uma empresa que por meio de sua simplificação tecnológica retirou dos ateliês fotográficos a tão sonhada possibilidade de retratar-se: de se expor e por meio de uma pose registrar uma imagem de si para a posteridade...que com um slogan tão simples como: "você aperta um botão e nós fazemos o resto", mudou comportamentos, atitudes e representações.
Influenciou hábitos, culturas e transformou a publicidade, o jornalismo, as artes impressas - para ficar só em alguns exemplos - numa outra coisa totalmente diversa de tudo o que já havia existido até então.

Até a opção da escolha do nome teve essa preocupação: um som que soasse igual em todo o mundo... daí a palavra Kodak.


Com imagens que eram fixadas em emulsões em gelatina ou com clara de ovos em placas de vidro desde sua invenção (1839) a fotografia passou à rolos de filme com a invenção da KODAK, onde podiam se trocados e revelados transformados em objetos que materializavam imagens de momentos. Era sem dúvida, uma empresa com grande capacidade empreendedora aliada ao domínio de diferentes técnicas.

Em termos estratégicos do século XIX eles atenderam, em muito, os aspectos que tomavam em conta inovações e o perfil da sociedade que estava à sua volta. Souberam imprimir por meio de um dispositivo novas concepções e formas de relações sociais, culturais, comerciais.


A partir dos anos 1920, a KODAK passa a ter ampla publicidade nas revistas ilustradas mostrando as vantagens de uma máquina portátil, além de oferecer sugestões de situações cotidianas em que se podia utilizar a fotografia.

As pessoas eram incentivadas desde crianças a manipular as câmaras para delas obter as imagens de lembranças agradáveis. Os registros fotográficos eram trabalhados nas revistas ilustradas como sendo o meio para favorecer ou alimentar determinados valores: o lazer desfrutado em família, o carinho dos pais pelos filhos ou o registro de horas agradáveis ao lado de amigos e familiares.


Às vezes grandes passos passam desapercebidos no seu tempo: não encontraram terreno fértil para se desenvolver. Em outro tempo e sob outras condições tornam-se amplamente fecundos.
As artes, a literatura, a técnica, a medicina... entre outras áreas de saber que o digam!
Em um momento da história social e cultural, a Kodak representou o que havia de mais inovador e ambicioso.
Revolucionou padrões e criou um novo paradigma para a sociedade.

Vejo as organizações como seres que se constituem e dialogam com seu tempo. Mas como tudo tem seu momento de ápice e derrocada. Infelizmente uma empresa desse porte e com uma história tão consistente tenha se perdido exatamente no caminho que ela própria trilhou por mais de 100 anos e com muito sucesso,: sem medos de inovar e de romper com antigas formas.

Ela não se sustentava sobre o nada, e inúmeras vezes mostrou capacidade de ler e atuar no mundo e na sociedade em que estava. Tinha como principal tradição o componente criativo e empreendedor. Era o seu DNA!

Alguns argumentarão que,só para resumir,estavam os tais prováveis erros capitais e como a empresa tentava solucioná-los. A listas enumerando os erros da empresa cresciam, bem como os debates sobre o mesmo. Dentre eles, escolho as palavras de Mércia Neves. Além dela, vc pode também ler outros com perspectivas semelhantes e que cito como as mais constantes:

1 - Ignorar as mudanças do mercado 
Desde o início dos anos 90, o fim do filme fotográfico era visto como questão de tempo. A Kodak tentou negar essa realidade de todas as formas e manteve seu modelo de negócios inalterado. O que foi feito - Nos últimos cinco anos, a Kodak vem tentando reduzir sua dependência dos produtos de fotografia tradicional, um negócio que, apesar de decadente,ainda é o mais lucrativo da empresa
2. - Hesitar ao adotar novas tecnologias
A primeira câmera digital foi desenvolvida pela Kodak em 1976. A empresa, no entanto, levou 25 anos para levar esse negócio a sério, quando o mercado já estava tomado pelos concorrente. O que foi feito: A empresa deu uma forte guinada em direção às câmeras digitais e se tornou líder nos Estados Unidos em 2003. Hoje, esse é um negócio pouco promissor em razão das margens reduzidas
3. - Desprezar a inovação
A Kodak sempre foi pródiga nos gastos com pesquisas, o que resultou em uma vasta base de patentes. No entanto, a maioria das inovações ficava na gaveta ou era licenciada a terceiros. O que foi feito- Antigas inovações da empresa, como as telas de OLED e sistemas de impressão com jato de tinta, foram recuperadas, atualizadas e aplicadas no desenvolvimento de novos  produtos
4. - Manter uma estrutura fossilizada
Uma das heranças negativas do fundador George Eastman foi uma cultura corporativa hierarquizada e lenta na tomada de decisões. Isso atrasou dramaticamente as mudanças na empresa. O que foi feito - Uma das prioridades da reestruturação foi injetar sangue novo na empresa e mudar a cultura corporativa. Hoje, 60% dos funcionários da Kodak têm menos de três anos de empresa.”
À luz desse cenário prever o futuro da Kodak já era uma “aposta de alto risco”.
É nítida aqui ma postura equivocada dos que estavam a frente no comando e que eram movidos por outras causas que no atual momento não conseguimos perceber bem porque".
Exposto isso, creio mesmo é que análise mais completa se dará dentro de várias décadas quando se poderá olhar todo o percurso e verificar que foi que faltou...

Em História não julgamos contemporaneamente: deixamos o tempo trazer as respostas. Todo e qualquer julgamento é precipitado e não encontrará soluções que se sustentem. Serão apenas e tão somente pontos de vista. No imediatismo do momento poderemos fazer juízos de valor que simplesmente não serão cabíveis em algumas décadas. A História é antes de tudo feita por grandes movimentos.
Será preciso pensar a empresa, o seu tempo e a cultura social... muito mais do que aspectos técnicos e organizacionais.

Como digo... olho sempre como humanista...

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O post aqui chega a ser uma homenagem póstuma a uma grande profissional que foi interlocutora em vários debates dos quais eu participei ainda no inicio de minha atuação em  Grupos de Discussão no LinkedIn.
O debate a que me refiro você pode ver aqui:

Mércia Neves: Kodak pede ajuda para reorganizar seus negócios e diz que se concentrará nos negócios mais competitivos – Faltou visão de futuro?

7 comentários:

  1. Cara Eliana:
    A história da Kodak sempre me interessou.
    Primeiro desde minha infância, quando meu pai aficionado pela tecnologia, me fotografava sempre que podia. As antigas Retinette com seu estojo de couro exerciam um fascínio sobre mim que só veio a ser quebrado muito tempo depois com a chegada da Pentax Spotmatic. E depois, quando estudante de Artes e Comunicação, pude começar a perceber as múltiplas leituras que a fotografia permitia como arte, documentação e registro. Um mundo visual silencioso onde cores, formas, luzes ou a sua ausência significavam, fazendo uma dança de sentidos. Criando valores... histórias entrando pelos olhos e alojando-se no coração.
    Nunca parei para pensar na máquina e nem quem fazia a máquina. Era a Kodak. O nome em si era uma recomendação e especificidade de qualidade e uso. Fui surpreendido, como acredito muitos de nós também o foi, com a notícia da falência da Kodak. Pensávamos (pelo menos eu) que alguém que trabalha e é pioneiro na documentação gráfica seria maravilhosamente bem sucedido num mundo movido a imagens. Ainda mais quando esse alguém inventa e é detentor de inúmeras patentes de tecnologias digitais. Em 1975, nos laboratórios da empresa eles inventaram a primeira máquina fotográfica digital do mundo antes da internet virar coqueluche! Isso, por si só, já seria suficiente para colocá-los anos-luz na frente da concorrência.
    Ou não?
    Então?
    Quem na alta gestão poderia ser tão obtusamente blindsided que não previu o abismo logo à frente. Para alguns colaboradores a coisa se resumiu a comentários parecidos com este:
    "It is wonderful for those still with the company that someone has finally accepted the changes in the industry and Kodak is trying to catch up with those changes... but for those of us who were sacrificed along the way it can at times feel like salt thrown on a wound."
    ou então este:
    "13 years ago Kodak in Peru had 300 workers, today we are 10. Put that in a picture and you will know we understand how you guys up there feel about so many people having left the company when they thought they had a life time job. We are a family and we feel the same down here."
    Que beiram a raiva e a mágoa ante a incapacidade (leia-se: incompetência crasa) dos lideres. Uma visão do Down-Up como poucas vezes registrada.
    Cassandra teria sido ótima gerente de produção ou projetos, fácil, fácil na Kodak. E teria tido o mesmíssimo efeito.
    Um belo -e lamentável- exemplo de gestão Top-Down, completamente desligada da empresa e seu entorno. Concordo com o comentário da Profª. Neves, e acho que bastavam os primeiros três para derrocar qualquer empresa.
    Somar os outros pontos então, é para derrubar uma empresa do porte da... Kodak.
    Abs

    LionelC
    1521

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  2. Olá Lionel...
    Fantástica tua contribuição!
    Obrigada por enriquecer tanto esse post com teu comentário.
    Acho que te ofereço sociedade nele, quer?
    ; )
    Abs

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  3. A Kodak tentou negar essa realidade de todas as formas e manteve seu modelo de negócios inalterado.
    A primeira câmera digital foi desenvolvida pela Kodak em 1976.
    A maioria das inovações ficava na gaveta ou era licenciada a terceiros.
    Por último mas não menos importante, uma cultura corporativa hierarquizada e lenta na tomada de decisões. Isso atrasou dramaticamente as mudanças na empresa.

    A Kodak foi vítima de si mesma ao não olha para fora e viver dos louros, pois possuia 85% do mercado de filmes de base química, embora ela mesma tenha criado a tecnologia digital, o que se torna uma ironia, perdeu a briga para FUJI, que se antecipou. Faltou atitude, ação, mudança, inteligência estratégica, visão, previsão e antevisão. Quando não interagimos com o ambiente que nos cerca, quando negamos a realidade, a mesma não nos perdoa, somos engolidos pelas mudanças.

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  4. Olá Denis...
    Muito obrigada por tua análise!
    Acho que vc tem razão tbm.
    Acho que a KODAK já figura entre os cases do que NÃO se deve fazer nunca!
    Foi mesma vitimada por suas próprias lideranças que tinham nas mãos o compromisso de fazê-la prosseguir naquilo que seria sua vocação.
    Foi pena...
    Abs e muito grat@ por tua contribuição e interlocução

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  5. Oi Lika, oi Grupo.
    Longe de mim falar mal da nossa querida KODAK, ou pensar em colocar seus gestores e executivos no banco dos réus.
    E, sem querer ser frio e calculista, mas li algumas afirmações (acho que deveria dizer previsões) e questionamentos curiosos por conta de observações históricas, estudos de tendência, etc, etc – e seguramente não foram através de bola de cristal.
    Por exemplo: olhando para o passado – 100 anos atrás – quantos setores, indústrias ou negócios que conhecemos hoje eram desconhecidos naquela época ?
    E se voltássemos apenas 30 anos ?
    E se avançarmos 20 anos ? E que tal 50 anos ?
    A verdade é que os setores jamais ficam estacionados. Estão sempre em evolução. As operações tornam-se mais eficientes, os mercados se expandem, e os atores chegam e vão embora.
    Segundo Chan Kim e Renée Mauborgne, no coração de toda e qualquer estratégia está a Proposta de Valor. Afinal, quais são os benefícios entregues a nossos Clientes ? Como adicionar valor significativo ? Como sou percebido e valorizado ?
    Ou seja, será que nossa proposta de valor está acirrando a competição ou ela faz com que nosso posicionamento seja tão único e diferenciado (inovador) a ponto de tornar desprezível a concorrência ?
    Estes trechos capturei do livro Estratégia do Oceano Azul e encerram considerações, ponderações e questões sempre super atuais e relevantes.
    E elas talvez sirvam de um “template” para utilizarmos, quem sabe, no caso de nossa querida KODAK.
    Por mais que sejamos tomados por saudosismos e por sentimentalismos, estamos diante de um “caso de negócio”, e que não é único.
    E quem não se lembra da querida “Pan American World Airways” (Pan Am) que por décadas foi tida e reconhecida como “Modelo Americano de Administração” e ...
    Marcos Issa, sensacional e bem a propósito a letra da música que voce adicionou.
    Abraços.
    Rui Natal

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  6. Um excelente texto para refletir com tudo que o já vivemos e estamos vivendo em matéria de tecnologia, me fez lembrar do caso da Xerox. A empresas que não olhar para o futuro, ficarão para trás e/ou deixaram de existir, e isso é em todos os segmentos de trabalho; assim sendo, serve pra todos os profissionais num geral.

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    1. Ol@ Edson...
      Sim, você tem mesmo razão!
      É uma sucessão de empresas que tiveram seus nomes marcados juntos aos consumidores e que revolucionaram todo um conjunto de usos e funções.
      Em todos os casos, julgá-los apenas em relação às cifras é perder em contexto social e história. E isso muitas vezes não retribui tudo o que foram.
      Abs e obrigada pela lembrança

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