12 de set. de 2014

Mafalda cinquentenária

Por: Eliana Rezende

Como uma boa ideia com humor e crítica ácida à mistura podem render bons anos de vida?
A resposta em uma única palavra é: Mafalda. Contestatória, politizada, insatisfeita com o mundo. Sempre cheia de questões e inquirições. Uma ardorosa aversão às sopas.
Niña esperta, espontânea, sabida, verborrágica: sempre com muito a dizer.


Mas a garota apesar de manter-se uma menina nas tiras é agora uma cinquentinha.
Sim! Mafalda faz 50 anos. 
Parabéns a criador e criatura!

Acho que a coisa interessante no caso da personagem é sua sobrevivência no tempo a partir de uma boa ideia e doses de "realidade". A atualidade está exatamente em explorar as vivências e angústias de todos,  independente de onde ou como vivem. É um questionamento para um mal-estar que nós latinos entendemos tão bem.
Penso também sobre sua estabilidade e permanência em um mundo feito de tantas obsolescências e descartes.
O que a torna ainda tão factível?


Creio que é exatamente essa inteligência ingênua, antenada e bem humorada que lhe confere tanto sucesso e permanência até hoje.

A politização com crítica mordaz dão um tom todo especial e, independente do país e da idade, nos identificamos com seus pensamentos.


Mafalda dentre tantas coisas não é apenas e tão somente um personagem de tirinhas. Nasce como personagem de campanha publicitária e emancipa-se pelas tirinhas. Ela representa toda uma sociedade (no caso a argentina) dos anos 1970. Uma sociedade que vive em ditadura de suas fronteiras, e que vê os países vizinhos vivendo a mesma situação.
Assiste a uma guerra em andamento no Vietnã e os EUA em plena expansão imperialista.

A sociedade é confusa para seu olhar: não sabe bem porque há uma guerra no Vietnã, se preocupa com a presença dos chineses, não sabe o porque de tantos pobres em volta, desconfia da mídia (jornais, revistas, TV) e do "Estado" (militar) e só consegue ter clareza de que não se conforma!

O mundo, sob sua ótica, está doente e ela anda às voltas com a busca para solucionar o que está errado. Cercada de adultos, não consegue compreender como os pais e todos os outros permitem e estragam o mundo.  Nada fazem.


Os colegas não lhe trazem maiores respostas e aparecem como sínteses de visões pequeno-burguesas: Manolito, que apesar de coroinha, tem como principal valor o dinheiro. Felipe é o sonhador romântico de plantão e Susanita convertida ao espírito de um consumismo burguês. A convivência com estes já não era fácil, mas chegam os dois mais novos integrantes de sua turma: Libertad responsiva mas muito pequeninha e o Guille (irmão caçula de Mafalda) capaz de dormir ouvindo rock e se deslumbrar por Brigitte Bardot.
Era o fim para Mafalda!


Diante de tantas contradições, talvez seja simples compreender o porque de tantas inquietações e verborragias trazidas por ela.

Imagino o quanto Mafalda se indisporia com o mundo em conexão e redes ditas sociais, os conflitos que ainda alimentam a fome imperialista americana e como direitos humanos continuam sendo violados. Não é mais só o Vietnã! Proliferaram países, guerras, lutas e motivações. Temos a Síria, Palestina, Croácia, Coréia, Irã, Iraque e por aí segue. Os pobres e desvalidos pela fome, pela guerra, pela discriminação de todas as ordens e faces (religiosas, étnicas, culturais, de gênero, sociais), doenças convertidas em verdadeiras epidemias aumentam dia a dia.

O planeta geme de muitas formas: há tempestades, tufões, furacões, tsunamis, secas prolongadas, queimadas. A política cada vez mais corrupta e sem limites éticos, morais, valores. Uma incompreensão sem fim.

Sim, é há a mídia. Agora não apenas impressa ou televisa. Chega de todas as formas. Uma explosão de sentidos e significados, e a desinformação cada vez mais usada como tática para atingir seus fins.


Quantos temas!
Mafalda teria muito de que se ocupar.

Mas acho que o que menos interessa é a idade em si. A comemoração mostra o quanto essa personagem tem eco em diferentes sociedades. Esse eco reforça a concepção de que uma boa ideia desenvolvida com inteligência sempre é bem vinda! Em geral, interessa pouco a procedência do personagem. É este vigor o que comemoramos. É esta forma simples, direta, e de traços igualmente simples que comemoramos. Afinal transmitir ideias e inquietações pode até ser divertido.
Quino e Mafalda nos mostram isso há 50 anos!


Ao final das contas, ela faz aniversário, mas quem ganhou o presente fomos nós! Afinal, Mafalda chegou numa bagagem trazida pelos adolescentes dos anos 70 e apresentada aos adolescentes atuais pelos sessentões de hoje. O ideário da personagem não envelheceu e se mantém tão moderno como quando foi apresentado pela primeira vez nos anos 70. As aspirações, angústias e questionamentos continuam os mesmos.

E aí vejo uma outra metáfora para a nossa Mafalda. O tempo não precisa ser tirânico e nem amedrontador. Basta apenas estar em sintonia com seu tempo. O vigor não precisa ser por botox e outras plásticas, que em verdade só cuidam do que é externo. Sua juventude vem de uma mente sã, perspicaz, concatenada com a atualidade do seu tempo e suas complexidades.

Da minha parte, partilho com Mafalda a inquietude, questionamentos, politização com a existência e uma necessidade imensa de troca. Talvez por isso, goste tanto dos Grupos, de Debates e da escrita. Me dão combustível para alimentar e saciar minha sede por perguntas e busca de respostas. 

Assim sigamos, pensando, trocando e buscando argumentos e quicá consigamos a longevidade e perenidade de Quino e Mafalda: criador e criatura!

Parabéns!!!!





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Dica de Leitura:
Mafalda e a televisão: a comunicação de massa nos quadrinhos de Quino [link]
Mafalda e Quino [link]

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Um comentário:

  1. Hola Eliana:
    Excelente post!
    Fué mi compañera de adolecencia y toda mi vida adulta he continuado a leer sus tiras.
    Que bien conservada que está, nó?
    Hahahahahahaha!

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