27 de set. de 2014

Quero meus direitos!

Por: Eliana Rezende

E de repente, num mundo onde é sempre tão importante garantir espaços e reivindicações nos vemos diante do avesso dos direitos.
Quem diria que teríamos que reivindicar o direito à ficar velhos, morrer, ser infeliz ver por outra, ser esquecido nas redes?
Isso mesmo!
Pode parecer absurda a ideia de direitos para tais temas. Mas é que de repente tornaram-se proibidos e evitados como tabus.

Em nossa sociedade as pessoas confrontam-se com os dilemas de ser sempre jovem, torneado, "sarado", sem vincos, marcas ou sinais. Envelhecer parece ser o maior de todos os castigos e se tais anos vierem acompanhados de rugas e cabelos brancos é o fim! Não se deseja ou almeja o tempo da maturidade e as pessoas não aceitam o tempo como um aliado. É o inimigo a ser combatido. As armas são velhas conhecidas: terapias botulínicas, cirurgias plásticas e todo um arsenal de tratamentos para corpo, pele, vitaminas e afins.

Não se entende os sulcos da pele como marcas da existência e como a vida inscreveu em nós nossas emoções e tudo pelo que passamos. São páginas de nossa existência exposta à leitura de todos os que nos olhassem. Indicariam em outras sociedades, o quanto de sabedoria acumulada e que poderiam ser compartilhada com os mais jovens.

Se envelhecer é tabu, morrer acaba sendo o maior de todos os fantasmas: adia-se de todas as formas possíveis este dia. Tenta-se prolongar ao máximo esse momento e desejar a boa morte parece ser desafiar a lei vigente de que se deve querer viver para sempre, custe o que custar! A morte, tida como tão natural e parte indissociável da vida nas civilizações primitivas, participada por toda a comunidade e experienciada por todos, inclusive por crianças hoje ocorre na reclusão de hospitais, velórios privados e o mais longe possível do olhar social. A morte foi apartada da vida e chega-se a dizer que é seu contrário, quando em verdade é apenas sua continuidade.

Morrer passou a ser uma indústria que maquia e afasta o desconforto do convívio com a dor e com o luto. Afinal, como encaixar este rito numa sociedade que tem que estar feliz todo o tempo?
Como encaixar tristeza, dor e perda numa sociedade que gasta fábulas numa indústria farmacêutica que produz ininterruptamente a química da felicidade, que combate tristeza, depressão, melancolia, e que oferece ácidos para manutenção de euforia constante? Uma sociedade que seu principal índice de felicidade é medido por seu poder de consumo e posse (seja de bens, seja de pessoas ou coisas)?


Sorrisos plastificados, quase mumificados para o "selfie" do dia.
Todo lugar é lugar para a imagem congelada de uma pretensa felicidade vivida em um dado grupo ou situação. Afinal, nas redes não há espaços para o que não seja sensacional, sorridente, excitável. Caras e bocas, gestos e corpos se repetem em poses estudadas em frente a espelhos e diante de um gadget. Nada mais é novo ou inédito. Tudo é massiva e entediantemente igual ao dia que passou e a foto anterior. Roboticamente as pessoas reproduzem-se em série, ficamos sempre com a sensação de que todos fazem tudo igual,apesar dos constantes descartes, obsolescências ou lançamentos tecnológicos.

E num ambiente de substituição constante de tantas felicidades que parecem acontecer em carrossel, o direito ao esquecimento é uma ficção. Uma vez exposto ao compartilhamento em rede nunca mais apagamos as marcas de nossas pegadas digitais. Nem a morte física parece impedir nossa vida digital. Pairamos pós-morte num locus virtual com memoriais e mensagens deixadas em nossas páginas pessoais nos dizendo quanto éramos "divertidos" e felizes enquanto vivíamos.

Por isso, minha reivindicação ampla, total e irrestrita ao meus direitos inalienáveis.
Quero meu direito a ficar velha, morrer, ser infeliz vez por outra, e ser esquecida em rede.
Será tão difícil conseguir isso?
Qual suprema corte concederia tal direito?
E sob que condições?  




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2 comentários:

  1. Concordo, em parte, com o texto. Alegria e tristeza são parte integrante do desenvolvimento pessoal. Felicidade, em minha concepção, difere da do texto. E depressão a considero como doença, o que absolutamente não deixa fazer parte do pagamento por estar vivo, mas a meta é a saúde física e mental que difere da estética. Quanto a morte a mim pouco importa se continua ou não. Deixo para ver isso na hora. Não acho um ocupação válida enquanto vivo. "Enquanto há vida não a morte e na morte não a vida, então não cabe esta preocupação."

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  2. M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O texto!
    Adorei a fluidez e sincronia das ideias e imagens na roda! Tens que publicar o quanto antes.
    Quero que meu direito de sentir-me infeliz justifique o meu dever de ser feliz! Que as rugas marquem minha velhice, assim como marcaram meu nascimento. Que a senescência termine, de uma vez por todas, o que começou na fecundação.
    Muita gente vai gostar deste post assim como eu gostei!
    Obrigado.
    Abs

    LionelC
    1521

    ResponderExcluir